Em entrevista exclusiva, o secretário especial de Desestatização revela que oito grupos empresariais estão interessados nos Correios e diz que governo vai anunciar 10 estatais que também serão privatizadas
Entrevista com Salim Mattar , secretario especial de Desestatização e Desinvestimento do Ministério da Economia - Foto: Flávio Tavares/O Tempo |
O motivo da recepção calorosa no evento, realizado por representantes da indústria da construção civil de Minas, é seu papel no governo federal que, em suas palavras, é de “desconstruir o Estado" por dentro. Durante a abertura, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Flávio Roscoe, disse esperar de sua atuação o fim do “Estado paquiderme” brasileiro.
A admiração se estendeu ao público, majoritariamente de empresários, que o aplaudiu de pé. Um deles, que prefere não se identificar, afirmou que “se ele fizer 5% do que está prometendo” o Brasil será “Bora Bora em 2020”. Outro, se entusiasmava toda vez que o secretário prometia dar mais espaço à iniciativa privada. Em sua palestra, que durou cerca de uma hora, Mattar falou sobre vários temas, mas o foco principal foram críticas aos “sociais democratas e socialistas” que, de acordo com ele, governaram o Brasil durante 40 anos.
Ele condenou a constituição de 1988 e os “90 direitos e 7 deveres” que garantiu ao cidadão. O secretário afirma que a Carta Magna é “uma aberração” responsável por “tirar o Brasil da liderança que tinha sobre os países emergentes”. Mattar chegou a exibir um gráfico durante a apresentação, no qual relacionava a “queda de produtividade do PIB por trabalhador” com a promulgação da Constituição.
A trajetória de Salim Mattar na política, depois de quase 50 anos na iniciativa privada, começou, de acordo com ele, com um convite do ministro da Economia, Paulo Guedes, de quem é amigo há 28 anos. Salim brinca que o ministro está “à esquerda” dele e diz que seus planos para o governo são ambiciosos: privatizar o maior número possível de empresas estatais até 2022.
O secretário, que chegou a defender em agosto que o Estado não deve fazer investimento algum, deu o pontapé para alcançar seus objetivos na metade do mês passado, quando anunciou, ao lado de Guedes e do presidente Jair Bolsonaro, 17 estatais que pretende privatizar. Na lista, constam empresas como os Correios, a Eletrobras e a CeasaMinas.
Em entrevista exclusiva, o secretário afirmou que há oito grandes grupos, entre nacionais e internacionais, interessados na compra dos Correios e que, em trinta dias, o governo deve anunciar um novo pacote de privatizações, que tem entre seis e dez outras estatais que serão vendidas até 2022.
Mattar revela que o Ministério da Economia deve apresentar um projeto de “aceleração” do processo de privatização de empresas estatais no Brasil e que não há qualquer apoio ou interferência do governo federal na privatização da Cemig, em Minas Gerais.
Em agosto, o senhor voltou a afirmar que o motivo de estar no governo é “que o presidente gosta de privatizar”. Alguns dias depois, Guedes, Bolsonaro e o senhor anunciaram 17 estatais que devem ser privatizadas. Na terça-feira, o presidente-executivo do BNDES, Gustavo Montezano, afirmou em evento com investidores em Nova York que o banco não pretende concluir privatizações em 2019, mas que a venda de ativos deve ser acelerada no ano que vem. Como está a expectativa do governo com esse processo? Há alguma previsão?
Pelo processo de privatização atual da Lei brasileira, temos que passar a estatal para o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e, depois, para o Plano Nacional de Desestatização (PND). O país é um tanto socialista, regulador, centralizado. Qualquer empresa para ser vendida precisa ser vendida pelo BNDES.
Então, automaticamente canalizamos todas as empresas para o banco. Temos 17 estatais no pipeline, atualmente. Algumas poderão ser vendidas em 2019, mas o processo é lento, burocrático. Uma empresa que, na iniciativa privada, vende-se em 45, 60 dias, no governo gastamos um ano para poder vender, senão mais.
Algumas precisam ainda de lei para vender, ou do Congresso, ou de decreto, ou de PEC, ou de Medida Provisória. Isso tudo pode demorar entre 1 e 2 anos. Estamos sendo cuidadosos e colocando as mais fáceis de vender para dar volume e velocidade, mas vamos vender o máximo possível de empresas até 2022.
Temos oito grandes grupos empresariais, entre nacionais e internacionais, interessados em comprar os Correios
Salim Mattar
O senhor afirmou que leva cerca de dois anos para se privatizar uma estatal no Brasil. Será apresentado algo que vise dar celeridade a esses processos?
Boa pergunta. Estamos elaborando um fast track, uma modelagem para que tenhamos um atalho e encurtar esse tempo. Isso está em estudos no Ministério da Eeconomia e, em algumas semanas, estará pronto. Mas vai depender também do Congresso, depende de aprovação.
O que seria esse projeto?
O fast track tenta encurtar todos os prazos para poder vender uma companhia. O BNDES tem que contratar, através da Lei 8666, consultorias, que demanda tempo, essas consultorias vão modelar o negócio, que leva mais tempo. Depois, tem que contratar um banco de investimento para vender a empresa, demora mais um tanto.
É claro que as coisas de governo precisam ser feitas de forma cuidadosa, é um bem público, é preciso ser zeloso. Essas empresas pertencem ao cidadão pagador de impostos. A empresa não é da União. União, para mim, é a tradução de “cofrinho dos pagadores de impostos”. O nosso plano e é reduzir esse prazo, deixar o Estado mais leve e permitir que o mercado seja mais competitivo, mais arejado.
Vamos anunciar mais um lote de estatais que serão privatizadas ainda este ano, contendo entre seis e dez empresas
Salim Mattar
O governo anunciará mais empresas que serão privatizadas? Quais?
Vamos anunciar mais um lote ainda este ano. Estamos estudando todas elas, mas não temos ainda definido quais serão. Esse pacote deve ser anunciado em trinta dias, que se somará às 17 que temos atualmente. Mas, lembra que temos 205, hein? Acreditamos que, com a capitalização da Eletrobrás, que tem muitas subsidiárias, vamos reduzir significativamente esse número.
A Petrobras tem feito um espetacular trabalho, concentrando a empresa a ser mais competitiva na perfuração de postos de extração de petróleo, que é o que dá dinheiro. Aqueles outros negócios de transporte, gás, posto de gasolina, através do Roberto Castello Branco, estão mais enxutos. Além disso, estamos reduzindo dívida. A ação da Petrobras subiu muito e hoje é uma empresa isenta de corrupção.
Qual o tamanho do pacote de privatizações que o governo vai anunciar?
Algo entre seis e dez empresas. É um número palatável para o BNDES poder trabalhar em 2020 e 2021.
Há perspectivas de mais anúncios de privatização no ano que vem?
Estamos nos concentrando nesse novo pacote. Em janeiro, fevereiro, estabeleceremos o plano de 2020.
Os funcionários dos correios quebraram os correios
Salim Mattar
O presidente disse que esforços iniciais para privatizações seriam nos Correios. Na terça-feira, Montezano afirmou que, se a estatal não for privatizada em breve, “pode ser tarde demais para vendê-la". Como está a articulação para que isso aconteça? Há alguma previsão ou meta?
Os Correios são uma empresa muito grande, com mais de 100 mil funcionários, quando bastavam 50 mil para funcionar. Há agravantes como o rombo no Postalis, o rombo no sistema de saúde com também, porque era possível levar pai, mãe, papagaio.
Quebrou. Os funcionários dos correios quebraram os correios. Há uma média de um presidente a cada dois anos nos Correios, não tem como uma empresa dessa ser eficiente e lucrativa. Temos que tirar o Estado do mundo dos negócios.
Há especulações de que a Amazon e o grupo Alibaba estariam interessados nos Correios. Há alguma conversa com esses ou outros grupos empresariais?
Por uma questão de negócios, não podemos comentar isso, nem citar nomes, mas temos oito grandes grupos empresariais, entre nacionais e internacionais, interessados em comprar os Correios. Isso significa que aquele ativo é mal gerido na mão do governo, mas será bem gerido na mão da iniciativa privada.
O senhor afirmou que o modelo pelo qual aconteceria a privatização ficaria mais claro em 2020. Qual é o plano para conduzir o processo?
Deixaram para nós um jabuti pendurado. Algumas empresas, para serem privatizadas, precisam de Lei para vender. Por exemplo, aquelas que comercializam sangue, como a Hemobrás, só podem ser atuar pelo Estado.
Imagina, que besteira! Fruto da constituição cidadã, uma aberração. Para vendê-la, por exemplo precisamos da Câmara, mas o Congresso está muito receptivo às privatizações, há uma sensatez muito grande naquela casa. Esse Congresso é muito responsável. Tenho certeza que vão aprovar (o fast track), talvez mais cedo do que estamos pensando.
Nos últimos anos, a presença de pessoas da iniciativa privada na política ganhou protagonismo. Alexandre Kalil em Belo Horizonte, João Doria em São Paulo e o apresentador Luciano Huck são exemplos. O senhor foi uma dessas pessoas. Qual foi o maior choque de realidade que o senhor teve?
A lentidão. O Estado é lento demais, por isso temos que reduzir o tamanho desse Estado gigantesco, obeso, lento, burocrático e que custa muito para o cidadão. O que mais me estranhou é a lentidão da tomada de decisão. Porque o Estado pertence ao cidadão, então é necessário um arcabouço de legislação para poder proteger os bens dele. Mas é excessivo.
Quando explica sua decisão de ir para o governo, o senhor fala quase como se houvesse um “chamado à responsabilidade”. Quais foram as razões que o levaram à política?
Assisti durante o governo petista, ao saque da nação. Mensalão, Petrolão, BNDES, Caixa Econômica. Aquilo me deixou indignado e, quando entrou um presidente que comunga com meus valores, que é conservador nos costumes e que tem na economia um liberal, pensei "poxa, nunca tivemos isso no governo". E vendo meu amigo (Paulo) Guedes…
Foi ele quem o chamou?
Foi. Insistiu algumas vezes, e decidi fazer minha contribuição para o governo. Como eu digo, na minha vida empresarial, meu maior problema não eram concorrentes, mas o governo.
O Congresso demonstrou o seu comprometimento com a causa Brasil
Salim Mattar
Como você entende esse movimento de aproximação da iniciativa privada e Estado? O seu cargo, de “desestatização”, é curioso nesse sentido, quase como se estivesse, de dentro do Estado, desmontando-o.
Exatamente. Precisamos colocar mais pessoas da iniciativa privada no governo para dar uma chacoalhada. Está sendo muito bom esse choque, que está arejando o governo. Principalmente com nossa visão liberal, ética, de redução do tamanho do Estado. O Estado custa demais.
Qual é o papel do Estado na sua visão?
O Estado foi desvirtuado, se serve do cidadão. Temos que inverter isso e é para isso que estamos lá. O cidadão pagador de impostos merece nossa atenção. Vamos deixar um legado nisso.
Qual é a sua avaliação sobre a reforma da Previdência? Há vetos e mudanças na proposta original apresentada pelo Executivo.
O Congresso se mostrou responsável na votação da Previdência. Está passando por pequenos ajustes, mas vai ser uma grande reforma.
No governo (Michel) Temer, falava-se em uma reforma que inicialmente economizaria R$ 600 milhões e que, depois da tramitação, terminaria poupando R$ 400 milhões. Fizemos uma de R$ 900 milhões. Foi um sucesso e o Congresso demonstrou o seu comprometimento com a causa Brasil.
Durante a tramitação, houve acusações de que o governo não estaria articulando de forma correta e que o protagonismo estava no Congresso. Como o senhor avalia isso?
Coisas da democracia, absolutamente natural. A democracia é um ambiente onde poderes diferentes buscam espaço. É normal, uma demonstração da brilhante democracia que temos.
A próxima grande batalha do governo nas instâncias legislativas deve ser a reforma tributária. Como o senhor analisa a proposta apresentada e quais são as expectativas para a tramitação e aprovação do texto?
Não posso adiantar o conteúdo da proposta do governo, mas a reforma mais importante depois da Previdência é a Tributária. O resultado da proposta que vai sair é o resultado do entendimento do Congresso, que representa a sociedade. Pode não sair a melhor reforma tributária, mas vai ser uma boa. Estou bastante confiante.
Há perspectiva de que o mundo caminhe para uma recessão nos próximos anos. O senhor acredita que esse clima internacional pode atrapalhar as privatizações?
Quando falamos em cenário mundial, crise é natural. Há dois meses, havia crise entre China e os Estados Unidos. Na semana passada, na Arábia Saudita. Qual será a próxima crise? O mundo continua. Crise faz parte do processo de desenvolvimento da sociedade humana. Não podemos ficar paralisados diante das crises, elas vão acontecer. No dia que acontecer, a gente vê o que faz.
Em Minas Gerais, o governador Romeu Zema está articulando a privatização da Cemig. O governo do Estado e o Federal são alinhados quanto às políticas econômicas, mas há grande dificuldade em relação à privatizações em Minas, por empecilhos legislativos. Há algum apoio? Alguma conversa?
Não. O governo federal já tem problema demais. Estamos cuidando dos problemas federais, os Estados cuidam dos deles, assim como os municípios. O governo liberal tem como princípio não interferir na vida das outras esferas da Federação.
Paulo Guedes está altamente comprometido, vai estar até o fim do governo
Salim Mattar
O senhor afirmou algumas vezes que não há tempo em um mandato para fazer tudo o que “é preciso” ou o que querem como governo. Isso quer dizer que há planos para 2022?
Esse aspecto político não cabe a mim. Nosso mandato termina em 2022. Se o presidente for reeleito, ou no lugar dele alguém com pensamento liberal, continuaremos o trabalho.
O senhor disse, no início do mês, que a exoneração de Marcos Cintra da Receita Federal é “um movimento normal” em governos e foi “somente ajuste de peças”. Há mais peças a serem ajustadas? Como você avalia a composição atual do governo?
Em nove meses, tivemos apenas duas peças importantes substituídas. Quando uma orquestra se junta, às vezes um músico atrasa para chegar no ensaio, ou desafina. É natural que haja remoções.
Dois casos aconteceram: Levy, do BNDES, e Cintra, na Receita. Praticamente zero. Houve mudança substancial para melhor no BNDES com (Gustavo) Montezano. Levy é um brilhante economista, mas como gestor esperava-se mais dele.
O caso do (Marcos) Cintra é muito recente, não tenho comentários ainda.
O senhor é próximo ao ministro Paulo Guedes há muito tempo. Há especulação de que ele pode, em algum momento, deixar o cargo. Como analisa isso?
Paulo Guedes é firme como uma rocha. Ele está no governo por propósito, abandonou seus negócios, ele é bilionário. Largou tudo para estar no governo e gostaria de deixar a marca dele, a marca liberal. Pela primeira vez na história.
Não podemos fracassar, temos que ser um exemplo de governo nesses quatro anos, deixar um legado de liberais que o Brasil não conhece. Guedes está altamente comprometido, vai estar até o fim do governo e a relação do presidente com o ministro é maravilhosa. As informações são do portal O Tempo.
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