Reflexões que o Governo Federal deveria fazer sobre os Correios

Texto de Marcos César Alves Silva, Administrador Postal Senior.

O Governo Federal poderia estar debatendo como os Correios o que poderia ser feito para ampliar as exportações das pequenas empresas brasileiras, ou para estimular ainda mais o comércio eletrônico ou ainda para facilitar a vida no cidadão, no que se refere ao acesso aos serviços públicos e a serviços financeiros básicos. Poderia estar avaliando como potencializar a utilização da vasta rede de agências dos Correios em benefício das respectivas comunidades, que poderiam ter ali, por exemplo, um ponto de acesso gratuito à internet, algo que pode parecer singelo mas que seria bem relevante em muitos locais do país

Em vez disso, porém, o Governo Federal, entre as quase 200 estatais que controla, escolheu os Correios para serem privatizados. Dentre 200 empreendimentos, a escolha recaiu sobre a maior estatal em número de empregados, a mais antiga e sólida em termos de infraestrutura construída e a mais respeitada pela população, que reiteradas vezes só colocou a família à frente dos Correios em pesquisas de opinião sobre a imagem das instituições públicas.

As justificativas apresentadas para essa surpreendente escolha são tão estapafúrdias que só reforçam a percepção de que se tratou realmente de uma escolha feita sem razões objetivas, exceto a vontade de algum grupo de burocratas e políticos, desejosos de oferecer um case exemplar para demonstrar suas teses.

O despreparo dessas pessoas, porém, imputará ao Governo Federal dificuldades monumentais para se prosseguir com esse intento, o que poderá prejudicar o projeto geral de privatizações, pois consumirá, inutilmente, a energia do próprio Governo Federal numa iniciativa que não tem nenhuma chance de prosperar, como poderá ser facilmente percebido por quem se debruçar minimamente sobre a história dos Correios, suas características peculiares e o impacto econômico positivo que sua atuação tem para vários setores da economia.

Inicialmente, é importante observar que a existência dos Correios decorre de previsão constitucional, ou seja, a Empresa existe para cumprir um mandato constitucional. Para se pensar em fechá-la ou privatizá-la, seria necessário, portanto, que haja uma emenda constitucional. Qualquer coisa diferente disso, será mera tentativa de remendar a história.

Os Correios possuem uma nítida e muito bem explicada motivação pública para existir como estatal. A Carta Anual de Políticas Públicas e Governança Corporativa dos Correios é uma das mais robustas dentre as cartas das demais estatais brasileiras.

Graças à infraestrutura de logística e de entrega de encomendas, o comércio eletrônico brasileiro pode se desenvolver, alcançando todos os cantos do país. Qualquer comerciante que abra hoje seu empreendimento de comércio eletrônico pode contar desde o início com essa infraestrutura, independentemente de haver no mercado milhares de outras empresas entregando encomendas. A infraestrutura dos Correios é básica e fundamental para o comércio eletrônico e todo comerciante que atua no setor sabe disso perfeitamente e tem ideia do que ocorreria com seus negócios se não pudesse contar com os Correios.

Como "longa manus da União”, os Correios são parte indissociável da própria União, o que significa, entre outras coisas, que a Empresa segue regime tributário distinto. Desconstituir isso, para uma possível privatização, seria transferir para os clientes da empresa que daí resultar o pesado ônus de um aumento de carga tributária que será necessariamente refletido nos preços. Os clientes dos Correios, cidadãos, empresas e governos terão, necessariamente, que pagar mais por seus serviços, para suportar o aumento de carga tributária daí advindo.

Um outro aspecto da operação dos Correios que quase nunca é levado em conta por quem defende a privatização sem entender como funcionam os Correios é o fato de que no Brasil o desenvolvimento das operações postais se dá já hoje com o concurso de uma miríade de empresas privadas, entre as quais se pode destacar, por sua relevância no contexto, as transportadoras terrestres e aéreas, contratadas para transporte de carga postal, e os franqueados, que operam 1.000 agências e são responsáveis por boa parte do faturamento de varejo da Empresa. Os Correios constituem, portanto, o núcleo alavancador de um grande ecossistema empresarial privado, com milhares de atores, e não um ponto de estagnação ou de entropia na economia.

Uma eventual privatização dos Correios não afetará, portanto, apenas os mais de 100.000 empregados da estatal, mas sim também uma miríade de organizações que utilizam regularmente os Correios para desenvolverem suas atividades de comércio eletrônico e também milhares de outras cujos negócios estão umbilicalmente ligados ao funcionamento dos Correios, como é o caso dos franqueados e das transportadoras que se especializaram no transporte de carga postal.

Entendo que o Governo Federal precise buscar fontes de recursos para suas despesas, mas imagino que, de todas as escolhas que poderia fazer, faz a pior ao tentar seguir com estudos para privatizar os Correios, pois não se trata apenas de algo muito complexo, mas sim de algo que beira o impraticável, por tudo o que expusemos, e que, mesmo que seja feito à força, de nenhuma forma redundará em qualquer benefício para os cidadãos, para as empresas e para os próprios governos. Pura insensatez!

Espero, finalmente, que o bom senso prevaleça e o Governo Federal reveja esta decisão equivocada o quanto antes. Por Marcos César Alves Silva, Administrador Postal Senior.