Trump ameaça sair de acordo postal global

Tratado postal de 144 anos da UPU, barateia o preço das remessas postais de países emergentes - o que os EUA consideram um benefício injusto à China, agora que ela é a segunda maior economia do mundo

O governo do presidente dos EUA, Donald Trump, abriu uma nova frente na guerra comercial ao ameaçar se retirar de um acordo postal global, o que levou a China a condenar o que considera um padrão de Washington de rejeição à cooperação internacional.

As regras internacionais para remessas transnacionais se baseiam num tratado postal de 144 anos da União Postal Universal (UPU), agência da ONU com 192 países-membros. O sistema barateia o preço das remessas postais de países emergentes - o que os EUA consideram um benefício injusto à China, agora que ela é a segunda maior economia do mundo.

A decisão do governo Trump de retirar os EUA do acordo foi instigada por Peter Navarro, assessor comercial da Casa Branca, considerado um linha-dura em relação à China. "É mais caro enviar um pacote de Los Angeles para Nova York pelo Serviço Postal dos EUA que remeter o mesmo pacote de Pequim para Nova York", afirmou Navarro, no mês passado, em um artigo publicano no "Financial Times".

Para Navarro, "as regras da UPU dão às empresas em países como a China, que já se beneficiam de apoio doméstico, um benefício extra na tarifa postal e uma vantagem na disputa pelo crescente negócio do comércio eletrônico mundial". Ele acrescentou que se a UPU não fizer mudanças suficientes nas "graves desigualdades" do sistema, o Serviço Postal dos EUA adotará "tarifas autodeclaradas".

A decisão enfatiza a disposição de Trump de usar qualquer meio à disposição para pressionar Pequim comercialmente.

A China lamentou o anúncio. "Recentemente o lado americano tem decidido se retirar não só de uma ou duas organizações", disse o porta-voz do Ministério de Relações Exteriores, Lu Kang, na sexta-feira. "Os EUA podem ter suas próprias ideias, e não há necessidade de usar a China como um motivo." 

"A China sempre defendeu o multilateralismo e se comprometeu a sustentá-lo, e tem participação ativa na UPU e dá apoio a seu trabalho", acrescentou Lu.

Martin Bao, analista da ICBC International, acredita que a retirada dos EUA poderia ter um impacto mínimo sobre as líderes chinesas de comércio eletrônico, como os grupos Alibaba e JD.com, que desfrutam de um forte mercado doméstico.

"A maior parte do comércio eletrônico transnacional na China trata-se de importações do exterior, e não o contrário", disse Bao.

Embora alguns comerciantes chineses pequenos vendam produtos a clientes americanos pela plataforma do Alibaba, Bao disse que esse fluxo de negócios é "muito, muito pequeno" e "insignificante" dado o tamanho dos grupos de e-comércio.

Yuan Peng, um vendedor chinês online na Amazon.com, não está preocupado com a ameaça de Trump à UPU. Sua empresa em Shenzhen vendeu o equivalente a 100 milhões de yuans (US$ 14,4 milhões) em fones de ouvido com bluetooth e outros aparelhos eletrônicos para clientes americanos em 2017, mas Yuan contou que os produtos foram enviados em contêineres, não em pacotes postais.

Segundo Yuan, "a maioria dos vendedores chineses online de pequeno e médio porte na Amazon usa armazéns nos EUA". "Seja como for, eles não entregam produtos por meio do serviço postal."

Embora comerciantes menores possam ser afetados, "essas empresas contribuem com apenas um quinto dos produtos chineses vendidos ao EUA na Amazon", estimou Yuan.

Mas a National Association of Manufacturers, um poderoso lobby comercial americano, aplaudiu a decisão. "Fabricantes e trabalhadores da produção nos EUA vão se beneficiar muito de um acordo modernizado e muito mais justo com a China", declarou o presidente da associação, Jay Timmons.

Pelo sistema de tarifas de remessas internacionais da UPU, os encargos que um operador de correio paga à sua contraparte no país de destino são definidos em níveis baixos para países em desenvolvimento, a China incluída. A diferença de preço é especialmente grande para os pacotes menores.

Washington alega que o Serviço Postal dos EUA já teve que aumentar os preços domésticos para compensar os gastos, que estima em um total de US$ 300 milhões ao ano. Enquanto isso, alguns vendedores online oferecem frete grátis para os EUA.

Em agosto, Trump ordenou uma revisão, dizendo que era política dos EUA "encorajar o desenvolvimento de um sistema global competitivo e eficiente, que proporcione tarifas postais justas e não-discriminatórias".

A decisão de abandonar a UPU foi tomada depois que queixas de Trump sobre o sistema foram rejeitadas num encontro da entidade em setembro.

Como há uma moratória de um ano para a saída de um país da entidade, Trump disse que pode reconsiderar sua decisão, dependendo de como as negociações com os países-membros da UPU progredirem. A Câmara de Comércio dos EUA já propôs a definição de um sistema justo, que equipare custos de envio por meio de negociações bilaterais com cada país.

Esta não seria a primeira vez que Trump rompe com acordos e instituições multilaterais.

Até agora o presidente retirou os EUA do pacto comercial da Parceria Transpacífico (TPP) e do Acordo do Clima de Paris, com o argumento de que ambos são injustos para seu país. Ele também sugeriu deixar a Organização Mundial do Comércio (OMC).

A UPU foi estabelecida em 1874. Com informações do Valor Econômico.