Conflito na base: indefinição sobre presidência dos Correios alimenta disputa entre PT e União Brasil pelo cargo

Grupos ligados aos presidentes do PT, Edinho Silva, e do Senado, Davi Alcolumbre, disputam por indicação de nome para assumir comando da estatal

O expediente já estava quase no fim na sexta-feira, 4 de julho, quando um emissário do presidente dos Correios chegou ao Palácio do Planalto com uma carta endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nela, Fabiano Silva dos Santos alegava motivos de saúde e pedia demissão do cargo que comandava desde fevereiro de 2023. O gesto encerrava semanas de desgaste para o advogado, que havia entrado em atrito com o ministro da Casa Civil, Rui Costa, diante dos sucessivos prejuízos apresentados por sua gestão na estatal.

A expectativa, portanto, era de um desfecho rápido, abrindo espaço para a sucessão num dos cargos mais cobiçados na administração federal, com mais de 80 mil funcionários e dez mil agências espalhadas pelo país. Após 20 dias, no entanto, Fabiano ainda aguarda ser chamado por Lula para chancelar sua saída do posto. Por ora, não há previsão para uma conversa entre os dois e o tema não está na ordem do dia para Lula. Segundo auxiliares, o petista não quer recebê-lo enquanto não tiver um nome fechado para substituí-lo.

E é aí que está o problema. A situação abriu uma disputa entre União Brasil e o PT para decidir quem terá a prerrogativa de indicar o nome para o comando da estatal. Atualmente, as seis diretorias da empresa são divididas meio a meio entre as duas legendas, com Fabiano tendo sido indicado pelos petistas. Procurado, o atual presidente dos Correios não quis comentar.

📷 Presidentes do PT, Edinho Silva (à esquerda), e do Senado, Davi Alcolumbre (à direita) — Foto: Edilson Dantas e Cristiano Mariz

Em nota, os Correios afirmaram que Fabiano está “trabalhando normalmente” e “à disposição do governo do presidente Lula”. Disse ainda que a empresa estruturou um “plano bianual de reequilíbrio", assumindo compromisso de cortar R$ 1,5 bilhão em despesas em 2025 e isso garantirá a retomada “gradual do equilíbrio operacional” sem necessidade de aporte da União.

Guerra velada

A espera por uma definição disparou uma guerra velada dentro da diretoria dos Correios, com dirigentes em busca de padrinhos para se cacifar. Diretora de governança, Juliana Picoli Agatte tem a seu favor o longo histórico de atuação em governos do PT e a confiança do novo presidente da legenda, Edinho Silva. Ela trabalhou como assessora na Secretaria de Comunicação da Presidência no governo Dilma Rousseff, quando a pasta era comandada por Edinho. Também foi secretária de governo de Araraquara (SP) durante a gestão do petista, e, no início do terceiro mandato de Lula, assumiu a secretaria-executiva do Ministério do Esporte. Agatte também é o nome favorito do atual presidente e seria a primeira mulher a comandar a estatal. Ela não retornou aos contatos.

Do lado do União Brasil, o diretor de negócios, Hilton Rogério Maia Cardoso, é apontado como nome de confiança do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Engenheiro e ex-secretário de obras de Macapá, ele foi escolhido para comandar a então recém-criada superintendência da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) no Amapá, em 2022. Deixou o posto para se tornar diretor dos Correios em março deste ano, quando aumentava a pressão no Senado para que uma CPI mirando a estatal fosse aberta. Também procurado, ele não se manifestou.

Correndo por fora, há José Rorício Júnior, atual diretor de administração da estatal. Ele chegou ao posto por indicação do ex-ministro das Comunicações Juscelino Filho (União-MA). O deputado foi afastado do comando da pasta após ser denunciado pela Procuradoria-Geral da República por suposto desvio de emendas parlamentares, mas o ministério seguiu nas mãos do União Brasil. Questionado, Rorício negou que trabalhe para assumir a presidência da empresa.

Interlocutores de Lula dizem duvidar de sua disposição para entregar o comando de uma empresa tão simbólica como os Correios ao União Brasil. Auxiliares presidenciais lembram que o petista tem um cuidado maior com a companhia. A descoberta de desvios na estatal em 2005, em seu primeiro mandato, foi um dos pontos de partida para o escândalo do mensalão. Na época, o comando havia sido dado ao PTB, de Roberto Jefferson, então aliado do Palácio do Planalto.

Por isso, pessoas próximas a Lula afirmam ver boas chances de ele optar por indicar um nome de fora, em vez de entregar o comando da estatal a uma legenda que vem adotando postura hostil ao governo.

Foi assim quando, na formação do governo, Lula alçou Fabiano Silva ao comando dos Correios, ignorando os pedidos do União Brasil, que negociara o Ministério das Comunicações e pedia na ocasião “porteira fechada”, ou seja, a prerrogativa de indicar nomes para todos os órgãos vinculados à pasta, caso dos Correios. Fabiano foi considerado como nome da cota de Lula. A ligação do advogado com o grupo Prerrogativas, que foi crítico ferrenho da operação Lava-Jato e da prisão do petista, o ajudou a chegar ao posto.

O momento agora é diferente. Lula terá de tomar a decisão sobre os Correios enquanto tenta segurar alguma fatia do União Brasil e destravar temas de interesse do Planalto no Senado. A cúpula da legenda vem pregando uma debandada do governo — hoje, o partido presidido por Antônio Rueda ocupa três ministérios na Esplanada: Comunicações, Integração Nacional e Turismo. Aliados de Alcolumbre afirmam que a indicação vem sendo trabalhada pelo próprio senador nos bastidores, que tem uma longa lista de colegas a agradar na Casa.

Nos Correios, há pressa por uma definição. Em 6 de agosto, vence o mandato de Fabiano e, sem a indicação de novo nome, o conselho de administração teria de se reunir para deliberar sobre sua recondução. Além disso, a situação financeira da empresa vem se deteriorando. No ano passado, o prejuízo foi de R$ 2,6 bilhões e, no primeiro trimestre deste ano, o rombo já chegou a R$ 1,7 bilhão.

A direção da companhia avisou ao Planalto no mês passado que será muito difícil fechar as contas do ano sem um aporte da União. A projeção é que uma injeção de ao menos R$ 4 bilhões será necessária para segurar o bom funcionamento da empresa neste ano e em 2026. O aporte não está definido e o Ministério da Fazenda vem dizendo não haver espaço fiscal para o socorro. Mas, caso a operação seja inevitável, ela já teria de ser incluída na previsão de Orçamento do ano que vem. A proposta do governo para a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2026 tem de ser remetida ao Congresso em agosto.

Ainda que a estatal receba os bilhões que vem pedindo à União, a nova direção deverá estar alinhada com a Casa Civil e fazer os cortes de pessoal que o ministro Rui Costa já diagnosticou como necessários. Fabiano vinha resistindo a fazer demissões e a implantar um plano de fechamento de agências. Apesar disso, ele não apresentou um plano alternativo que convencesse o governo de que a companhia poderia ser saneada. Pessoas ligadas à atual cúpula atribuem os resultados ruins ao novo marco regulatório das compras internacionais, com a chamada “taxa das blusinhas”. Também ponderam que a estatal não foi feita para dar lucro e que Lula sempre defendeu a capilaridade dos Correios pelo país.

Empréstimo

Além de construir a saída dos Correios da crise, o próximo presidente da estatal terá como uma das missões administrar um empréstimo de R$ 4 bilhões obtido junto ao Novo Banco de Desenvolvimento, comandado pela ex-presidente Dilma. O recurso deve começar a ser liberado a partir do final do ano e é visto como ponto sensível no pêndulo de fatores para a escolha do novo nome pelo tamanho da cifra.

Os muitos cargos à disposição na empresa de logística e o novo financiamento dão fôlego ao interesse dos partidos pela presidência da estatal. O dinheiro foi aprovado para dar andamento a projetos de descarbonização e reestruturação logística, mas o recurso não poderá ser usado para cobrir déficit da estatal.

Equações a serem resolvidas pelo governo

Reforma ministerial: A expectativa era que Lula fizesse uma reforma ministerial no início deste ano para garantir apoio no Congresso, mas ele vem promovendo mudanças a conta-gotas. O petista fez trocas na Comunicação Social, Saúde, Relações Institucionais, Comunicações, Previdência e na pasta das Mulheres. Ainda havia expectativa de mudança na Secretaria-Geral e no Ministério do Desenvolvimento Agrário, que têm o PT à frente.

Fidelidade do Congresso: Partidos de centro que indicaram ministros reduziram o índice de apoio ao Planalto nas votações entre o primeiro e o segundo ano do mandato de Lula. No comando de dez ministérios, PSD, União, PP e MDB registraram declínio por parte de suas bancadas no compromisso de acompanhar a gestão petista na Câmara. Lideranças do Centrão falam abertamente em apoiar adversário de Lula em 2026.

Demandas do PT: O partido do presidente resiste a abrir mão de espaços no governo para acomodar aliados. Uma das maiores preocupações do PT é preservar o comando do Ministério do Desenvolvimento Social, responsável pelo Bolsa Família, alvo de cobiça do Centrão. O bloco partidário também já fez investida pelo Ministério da Saúde, mas Lula substituiu Nísia Trindade, de perfil técnico, pelo petista Alexandre Padilha. Com informações do O Globo.

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