Correios: ‘Privatização é uma temeridade’, diz economista

Clóvis Scherer, afirma que as principais razões para a entrega da companhia à iniciativa privada não são técnicas, mas ideológicas.

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Qualificando a possibilidade de privatização dos Correios como uma “temeridade”, o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Clóvis Scherer, afirma que as principais razões para a entrega da companhia à iniciativa privada não são técnicas, mas ideológicas.

Segundo Scherer, os Correios, que passam por uma greve por conta da redução de direitos de seus funcionários, devem ser vistos como um elemento fundamental para o funcionamento da economia.

Confira abaixo a entrevista:

O governo afirmou que pretende enviar um Projeto de Lei para privatizar os Correios. Como funcionaria isso, já que o monopólio do envio de cartas é da empresa segundo a Constituição?

Há o monopólio do serviço postal. Não é permitido, a menos que se altere a Constituição, privatizar essa parte. É necessário que o Estado, através de uma empresa pública, se encarregue do serviço postal. Ou seja, permitir a cada cidadão, a todo cidadão, ter sua correspondência expedida e recebida.

O que o governo pode estar pensando é em fatiar a empresa e vender as partes que correspondem a atividades não abrangidas no monopólio, em que entraria todo serviço de encomendas, serviços de internet e várias outras atividades. Poderia ser um caminho.

Mas a estrutura para entrega de cartas não é compartilhada com o serviço de entrega de encomendas?

Essa presença dos Correios no segmento de encomendas e de correspondência comercial é que o atrai o olhar gordo dos interessados em comprar essas atividades.

Justamente isso torna intrigante e que levantamos questionamentos. A vantagem que os Correios têm é justamente poder compartilhar essa estrutura logística tanto para o serviço concorrencial quanto para o serviço monopólico. É difícil conceber uma empresa cumprindo o monopólio estatal sem utilizar uma estrutura que já viabiliza a oferta de serviço de entrega de encomenda. Não faz sentido desmembrar empresa.

No contexto da pandemia, muitos têm criticado o caráter estatal dos Correios, que atravessam uma greve, afirmando que isso prejudica os empresários que passaram a depender mais do comércio digital. Isso faz sentido?

Na verdade, esse argumento mostra como uma empresa estatal pode concorrer no segmento competitivo com vantagens. Por serem uma empresa pública com presença nacional, que a empresa privada não é obrigada a ter, ela consegue uma escala que lhe permite oferecer serviços em condições vantajosas.

Isso é presente em muitos países, que têm o mesmo compromisso de manter o serviço postal para o cidadão e por essa necessidade acaba tendo empresas grandes, eficientes e concorrem com as outras.

Os empresários não podem estar reclamando, nada mais é que uma empresa pública concorrendo em uma faixa em um segmento com outras empresas que operam. Ela consegue fazer isso com uma escala muito maior e com preços e custos competitivos. E ainda auferir lucro.

Há uma coisa importante que as pessoas esquecem de dizer. Os Correios, na década passada principalmente, foi uma empresa que teve lucros, até 2014. Quando a economia entrou em crise, o resultado financeiro da empresa caiu muito, e não poderia ser de outra forma. O Correio é uma empresa que sento muito essa oscilação. Uma vez a economia voltando a crescer, ele vai voltar a mostrar indicadores positivos. Não há porque dizer que é ineficiente.

A privatização dos Correios é realmente uma temeridade e deveria ser muito discutida pela sociedade e não ser adotada por uma posição ideológica.

E qual sua avaliação sobre a possibilidade de queda de preços se houver privatização?

No caso brasileiro, se isso for feito o efeito vai ser o oposto. Se não tivermos uma empresa que tem essa vantagem competitiva, muito provavelmente os grandes players internacionais vão entrar com mais força e vão fazer os preços subirem. Os Correios fazem esse contraponto, forçando a competição.

Privatização no Brasil é notório que levou a um aumento dos preços de tarifas e a uma excessiva lucratividade em mãos privadas. Ocorreu em outros segmentos e provavelmente aconteceria a mesma coisa. Em outros setores, como o de ferrovias, vários países europeus que haviam privatizado voltaram a estatizar, no setor de saneamento também.

O que se nota é que em relação a  empresas postais de outros países, eles fizeram com que essas empresas tivessem uma visão mais competitiva, inclusive buscando ampliar atividades internacionalmente.

Esse governo, por exemplo, interrompeu a atividade bancária, não renovando o contrato dos Correios com o Banco do Brasil. Aqui se discutia anos atrás expandir mais sua atuação internacional, por exemplo, na América Latina.

A privatização é um risco para o caráter universal do serviço postal?

É muito provável que isso ocorra [fim da universalização]. Nós temos um bom exemplo: o sistema financeiro. Temos um índice de exclusão bancária muito grande, milhares de municípios não têm um agência bancária, municípios pequenos só dispõem de agência por conta dos bancos públicos. No setor financeiro, sempre há uma tensão grande para fazer os bancos operarem em uma base estritamente comercial, sem oferecer serviços em todos municípios.

Os Correios não, porque não há só o componente econômico, mas também social. Se for fatiada a empresa, vendidos os negócios mais lucrativos, que não são o de entrega de correspondência, isso vai desequilibrar e provavelmente resultar na ausência em municípios menores. Por Rafael Tatemoto, Reconta Aí.