Ex-presidente dos Correios diz que plano de recuperação da empresa é ‘morte assistida’

Para Guilherme Campos, Bolsonaro errou ao indicar um general, enquanto Lula manteve um advogado; os Correios não comentaram.

O ex-presidente dos Correios Guilherme Campos classifica como “morte assistida” o plano de recuperação em estudo pela atual gestão da estatal, que deseja tomar R$ 20 bilhões em empréstimos com aval do Tesouro Nacional, para tentar reverter a grave crise da empresa.

Campos, que esteve à frente da companhia de junho de 2016 e maio de 2018, no governo Michel Temer, entende que há um foco em redução de gastos pelo plano elaborado pelo atual presidente dos Correios, Emmanoel Rondon, sem que isso venha acompanhado de uma estratégia eficiente para aumentar receitas.

📸 Guilherme Campos, ex-presidente dos Correios e hoje secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura Foto: PSD

“O que tenho lido só fala de custo, uma visão de quem não acredita nos Correios como empresa - e que, fazendo empréstimo de longo prazo, possa estar administrando um fechamento da estatal (no futuro). Por isso, chamo de morte assistida. Reconheço a ausência de mais detalhes (sobre o plano); mas, do que eu leio e ouço, não vejo perspectiva”, afirmou.

Procurados, os Correios não se manifestaram.

A estatal vive uma crise econômica sem precedentes e, apenas no primeiro semestre deste ano, registrou prejuízo de R$ 4,37 bilhões, um aumento de 222% - o triplo - em relação ao prejuízo de R$ 1,35 bilhão registrado no mesmo período do ano anterior.

Fonte: Correios

Na última semana, os Correios aprovaram o plano de recuperação, que contempla três fases: recuperação financeira, consolidação e crescimento.

“Nos próximos 12 meses, os recursos serão aplicados em medidas determinantes, tais como: Programa de Demissão Voluntária e remodelagem dos custos com plano de saúde; 100% de adimplência com fornecedores; modernização e readequação do modelo operacional e infraestrutura tecnológica; liquidez assegurada durante a evolução do modelo econômico da empresa ao longo de 2026″, afirmaram os Correios.

Guilherme Campos assumiu a empresa depois de dois anos de fortes prejuízos: de R$ 2,1 bilhões em 2015 e de R$ 1,5 bilhão em 2016. Em 2017, reverteu o resultado para um lucro de R$ 670 milhões, seguido de outro resultado positivo de R$ 160 milhões em 2018.

Em maio daquele ano, ele deixou o posto para se candidatar a deputado federal, mas não conseguiu se eleger. Hoje, ele é secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e Pecuária do governo Lula.

Emmanuel Rondon, servidor de carreira do Banco do Brasil, foi escolhido pelo presidente Lula para assumir os Correios em setembro deste ano, no lugar de Fabiano Silva dos Santos - um advogado que assumiu no início deste ano, ligado ao grupo Prerrogativas, sem experiência em gestão de empresas.

Erros de Lula e Bolsonaro

Campos entende que houve uma profunda mudança no setor de logística e entregas no mundo, que começou ainda na sua gestão, entre 2016 e 2018, mas que foi ignorada por todos os presidentes que vieram depois dele.

“O presidente Bolsonaro indicou um general (Floriano Peixoto) para presidir os Correios por quatro anos. Respeito muito a carreira militar, mas eles não entendem de empresas. Houve um completo isolamento da presidência: clientes deixaram de ser prioridade e houve descontinuidade de projetos de reestruturação, inovação, melhorias e adequação ao mercado”, afirmou.

No governo Lula, por sua vez, ele entende que a indicação do advogado Santos manteve a falta de experiência administrativa à frente dos Correios, ao mesmo tempo que o setor acelerou as transformações, com um brutal aumento da concorrência nos serviços de encomendas.

“A falta de experiência vale para as duas gestões (Floriano Peixoto e Fabiano Silva dos Santos). Também para as duas gestões a falta de uma política voltada para treinamento e adequação à nova realidade dos funcionários da empresa. Moral da ‘tropa’ muito baixo. E, no atual governo, houve compromissos de campanha com diversas categorias da empresa que não acordaram para a nova realidade", afirmou.

Ele entende que os fortes lucros entre os anos de 2020 e 2021, de R$ 1,53 bilhão e R$ 2,2 bilhões, deixaram a gestão Peixoto acomodada, com os ganhos provocados pela pandemia. Em paralelo, o setor de logística já passava por fortes transformações, sem que os Correios se preparassem para essa nova realidade.

“Os Correios já vinham enxugando quadro de funcionários. E aí veio a pandemia, que aumentou muito o volume de entregas. No final da pandemia, o mundo já era outro, e os Correios não conseguiram ficar no mesmo patamar de competitividade dos concorrentes e vieram os prejuízos. Quem entrou em 2023 também não percebeu isso”, disse.

Sob sua gestão, ele diz que implementou um plano de demissão voluntária, que reduziu o quadro de funcionários em 8 mil pessoas, além de ter alterado regras de acesso para os planos de saúde da empresa, mas principalmente houve foco em aumento de receitas. Hoje, Rondon planeja um outro PDV, para desligar até 10 mil funcionários.

“Eu acredito nos Correios; é um patrimônio nacional, uma marca forte, os carteiros são queridos na comunidade. O presidente precisa entender isso, usar essa força e buscar novas formas de receitas, como uma empresa de varejo. Hoje, dá para reverter, mas vai ser muito mais difícil e demorado”, diz.

Campos diz a ideia do markeplace (vendas online) já estava na sua gestão, assim como o uso de entregadores avulsos (crowdchip) para reduzir custos. Ele também cita a ideia de se fazer parcerias com empresas aéreas, que não foram implementadas.

Ele diz que o caminho inevitável para a empresa será transformar o seu modelo de negócios, porque o mercado de encomendas hoje está dominado pelo setor privado.

“O correio japonês virou o maior captador de poupança do país. Virou uma instituição financeira. Na Inglaterra, virou o balcão de atendimento do governo. Na França, virou um balcão de serviços. Alemanha tem o modelo que eu mais gosto. O Deutsche Post passou a fazer parcerias em diversas atividades com a iniciativa privada. O Brasil precisa achar o seu caminho”.

No início do semana, o governo ampliou a projeção de déficit nas empresas estatais este ano, de R$ 5,5 bilhões para R$ 9,2 bilhões. O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dário Durigan, admitiu que o impacto fiscal pode ser ainda maior. Com informações do Estadão.

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