Texto de Marcos César Alves Silva. Aposentado dos Correios e Vice-Presidente da ADCAP – Associação dos Profissionais dos Correios.
Em diversas ocasiões, nosso posicionamento - e aqui incluo a ADCAP – Associação dos Profissionais dos Correios, da qual sou vice-presidente - foi apresentado e detalhado, inclusive como contraponto à posição oficial a respeito de determinados temas, enriquecendo as matérias e permitindo aos leitores que formassem seu julgamento ouvindo os dois lados. Penso que a boa história deve ser construída assim e, por acreditar firmemente nisso, sempre atenderei dessa forma os jornalistas que me procurarem.
Nesta semana, tive oportunidade de conversar por alguns minutos com uma repórter da revista Veja, atendendo contato por e-mail. Como sempre faço, procurei oferecer uma série de informações sobre os Correios e respondi a todas as questões que me foram formuladas. Porém, a matéria que saiu publicada hoje, dia 24/07/2020, trouxe uma abordagem que não faz jus à verdade dos fatos. Desta forma, tratarei a seguir dos pontos que abordei com a jornalista e que não foram trazidos na matéria, além de afirmações equivocadas e enviesadas ali mencionadas.
Inicialmente, a matéria trata como “benesses” os benefícios que os trabalhadores dos Correios possuem e que se originaram de negociações trabalhistas realizadas ao longo do tempo, nas quais, em muitas ocasiões, a própria Empresa propôs uma pequena melhoria num benefício em troca de um reajuste salarial menor. E tudo isso materializado em acordos coletivos de trabalho, muitos deles mediados formalmente pela própria Justiça do Trabalho.
Não se trata, portanto, de algo que possa ser reduzido simplesmente a “benesses”, como faz a matéria, e, muito menos, de afirmar que “enquanto uns sofrem, outros lutam para manter suas benesses”, pois essa afirmação constitui uma grande injustiça com os trabalhadores dos Correios, que estão entre os que continuaram e continuam trabalhando durante a pandemia e colocando suas vidas em risco para garantir a prestação de um serviço que é essencial. Os trabalhadores dos Correios lutam para que seus direitos sejam respeitados.
Ao tratar a aprovação de indicativo de greve como “bandalha”, a matéria ignora completamente uma série de fatores que estão levando os sindicatos e federações a ficarem sem saída nas negociações trabalhistas deste ano, diante da possibilidade de os trabalhadores perderem, em plena pandemia, uma parte expressiva de sua remuneração, que é, em média, a menor dentre todas as estatais federais, fato não destacado na matéria.
O acordo trabalhista vigente deveria se estender até agosto de 2021, conforme trazido no acórdão do dissídio. A direção dos Correios, porém, após o julgamento no TST, procurou o Presidente do STF, ministro Dias Toffoli, e obteve dele uma inusitada liminar que suspendia o efeito dessa cláusula de vigência bianual do acordo, atropelando, assim, o que fora decidido pelo pleno do TST. Agora, o Presidente do STF, em nova decisão, alega que não pode deliberar sobre a vigência do acordo coletivo dos Correios por se tratar de competência do TST. Ou seja, enquanto a decisão do TST fica suspensa por uma liminar do STF, o STF diz que não pode tratar da vigência do acordo porque isso é de competência do TST. Difícil de entender, mas um imbróglio que só favorece as intenções da direção dos Correios de eliminar benefícios dos trabalhadores, sob o argumento de que o acordo trabalhista venceu.
Aos trabalhadores, cujas representações sindicais nunca foram recebidas pelo Presidente dos Correios nesse um ano de gestão, restaria fazer o quê, então? Aceitar passivamente uma brutal redução de remuneração em plena pandemia?
É triste a situação em que se encontram empresas e trabalhadores de inúmeros setores no país, mas esse quadro não significa que o governo ou os empregadores possam fazer agora o que quiserem com os trabalhadores de todas as empresas. Há leis e acordos trabalhistas a serem considerados e os eventuais ajustes que se façam necessários precisam ser tratados de forma adequada e responsável e não no estilo de “passar a boiada”.
Não concordo, também, com a informação trazida pela matéria de que se os Correios fossem uma empresa privada já teriam fechado as portas, abatida por um prejuízo de 2,4 bilhões de reais. Como expliquei à repórter, esse prejuízo acumulado tem uma história e causas que precisam ser bem entendidas. Antes de produzir prejuízos, os Correios chegaram a gerar quase R$ 1 bilhão de reais de lucro anual. Uma mudança de regra contábil que exigiu a antecipação da contabilização de despesas com o chamado pós-emprego e, antes disso, a retirada excessiva de dividendos pelo Governo Federal foram os principais responsáveis pelo cenário de déficit que se viu nos anos seguintes e que, graças exatamente ao sacrifício de benefícios dos trabalhadores e não a um milagre de gestão, já se reverteu, posto que os Correios registraram lucros nos últimos anos, ou seja, o propalado déficit vem sendo reduzido e não ampliado.
Não foi, portanto, a licença-maternidade das carteiras ou o vale-alimentação ou o auxílio-creche que provocaram déficit nos Correios, mas sim, principalmente, atos e decisões adotados pelo próprio acionista – o Governo Federal, como pode ser facilmente visto nos próprios relatórios de órgãos de controle, como a CGU.
Também foi explicado à repórter que os Correios possuem imensas possibilidades de desenvolvimento comercial e citamos como exemplo o próprio banco postal, algo que os Correios já fizeram com enorme sucesso e que agora foi descontinuado pela atual gestão.
Uma seleção pública de parceiro privado para o banco postal poderia injetar um volume considerável de recursos no caixa da Empresa, talvez até uma cifra bilionária, como ocorreu na última seleção, quando o Banco do Brasil retirou a prerrogativa de explorar o banco postal do Bradesco com uma proposta de mais de R$ 2 bilhões, sem contar os valores por cada transação realizada no banco.
Na entrevista, não mencionei outras possibilidades, mas são várias, que poderiam ser colocadas em curso se o Governo Federal afastasse de vez a discussão sobre privatizar ou não a Empresa e passasse a enxerga-la como um ativo estratégico, que pode ser muito valorizado, inclusive, com a estruturação de parcerias como a do banco postal noutros segmentos, potencializando a utilização das redes de atendimento e de logística dos Correios. Na tônica atualmente defendida por alguns do governo, de se livrar das estatais a qualquer preço, e de escolher os Correios como a Geni do momento, esse caminho fica impossível de ser trilhado. Importante lembrar que o último presidente dos Correios que ousou falar bem da Empresa e reconhecer sua importância – General Juarez Cunha - foi sumariamente demitido pelo Presidente da República. Talvez isso explique por que a atual direção da Empresa só enxergue a redução de salários como maneira de produzir algum resultado.
A pandemia trouxe desafios para todas as empresas e os Correios não estão completamente imunes a isso. Se, por um lado, o comércio eletrônico teve saltos de desempenho, por outro, a paralisação das empresas em geral acarretou uma brutal queda na demanda de correspondências. Assim, os Correios, como todas as demais empresas do país e do mundo, terão pela frente um cenário complexo a ser vencido.
No caso dos Correios, entretanto, a Empresa passa pela pandemia com seus negócios e suas operações em funcionamento, o que significará que um eventual socorro de recursos que se faça necessário será bem menor do que em outros setores severamente penalizados com a suspensão completa de suas operações. Isso é fato. O enfrentamento a isso, porém, não pode ser reduzido à diminuição dos salários dos trabalhadores, que, como já mencionado, recebem os menores salários dentre as estatais do Governo Federal.
Quanto ao valor da folha de pagamento dos Correios, tratado pela matéria como “inacreditável”, é importante esclarecer que no setor postal os gastos com pessoal são sempre as maiores despesas das organizações. Além disso, trata-se da remuneração de 100.000 pessoas. Observações rasas e descontextualizadas como a trazida pela matéria só induzem a erro os leitores menos avisados.
Quanto ao futuro dos Correios, discordamos também da citação trazida pela matéria de que se trata de uma atividade quase em extinção, atribuída à economista Elena Landau. Os Correios possuem redes de atendimento e de logística que cobrem o país todo, não só para levar cartas, cujo volume vem sofrendo reduções ao longo do tempo, mas também para prestar atendimento presencial e levar encomendas para as pessoas e empresas, inclusive nos locais mais remotos, onde empresas privadas evitam ir devido à pequena escala de volumes a entregar.
Bem administrado, com parcerias com empresas privadas para explorar nichos de negócios, conforme delineado na Lei 12.490/11, e sem a permanente destruição de imagem por parte de representantes do acionista, os Correios teriam um grande futuro, poderiam gerar bons dividendos para o governo, alavancar as economias dos pequenos municípios, manter uma base ampla de acesso ao comércio eletrônico e muito mais.
Para finalizar, acho necessário mencionar que alguns trabalhadores dos Correios já perderam suas vidas porque continuaram exercendo a atividade pela qual foram contratados. Outros também perderão, como tem acontecido com profissionais da saúde e de outras atividades que estão sendo mantidas durante a pandemia. A esses trabalhadores deixo meus sinceros agradecimentos e meu reconhecimento, não só como dirigente de uma entidade representativa, mas, principalmente, como cliente e usuário dos serviços que me entregam todo dia, tornando a passagem por esse triste período da história humana menos difícil.
Obrigado carteiros, médicos, enfermeiros, policiais etc. Todos vocês merecem nosso reconhecimento e admiração. Por Marcos César Alves Silva. Aposentado dos Correios e Vice-Presidente da ADCAP – Associação dos Profissionais dos Correios.
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