Carteiro acusa a Guarda Civil Metropolitana de São Paulo de agressão e racismo

Marcos Ambrósio alega que se recusou a mostrar o documento depois de repetidas abordagens quando estava a caminho do trabalho. Ele conta que foi espancado com socos e pontapés e que apanhou até mesmo enquanto estava algemado e recebendo atendimento médico em um posto de saúde.

Marcos Ambrósio relatou agressões por parte de guardas em São Paulo. Foto: Chico Prado/CBN

"Você é tratado como cidadão de segunda classe, tá perigando um homem negro sair pra rua e não voltar. Cresci honrado numa família de seis irmãos e, com 40 anos, eu tenho que passar por uma situação dessa. Eu não fui vítima de agressão, fui vítima de tortura."

O carteiro Marcos Antonio Ambrósio trabalha há 19 anos nos Correios, mais da metade desse tempo no mesmo endereço. Diariamente, ele desce na estação de trem da Praça Júlio Prestes e caminha por menos de dez minutos até o centro de distribuição, passando pela Cracolândia, o permanente reduto de usuários de drogas, no Centro de São Paulo.

No dia 27 de março foi diferente. Marcos, acostumado a ser abordado pelo menos duas vezes por semana por guardas civis metropolitanos, foi parado de novo. A agente Kelly de Moraes Santiago pediu o documento e mandou o carteiro abrir a mochila.

Marcos disse que só mostraria se a guarda chamasse um policial militar. O agente Waterloo Gonçalo da Silva interrompeu a conversa e deu um soco no carteiro, que também passou a ser agredido por outros GCMs.

"Quando eu fui ver, já tinha uns cinco GCMs batendo em mim com cassetete", descreve. "O pessoal, os usuários de drogas ali da região, eles viram a situação e começaram a jogar pedra pra cima deles [dos guardas]. Me colocaram de cara para a parede e me algemaram. Ele [um dos guardas] me pegou e me jogou no chiqueirinho do carro. Ali, naquele momento, eu fui agredido por mais uns dois GCMs."

Da Cracolândia, Marcos foi levado até o pronto-socorro da Barra Funda. Ele contou à CBN que, no caminho, foi novamente ameaçado. Se falasse algo no PS, apanharia de novo. Outros dois guardas esperavam por ele no local e também fizeram ameaças assim que ele desceu da viatura.

O carteiro foi atendido algemado e escoltado por um dos guardas. Disse que tinha sido agredido e, no prontuário, o médico Marcos Curti Testa usou um código que indica "agressão por meio de força corporal".

Na porta do PS, apanhou de novo e recebeu jatos de spray de pimenta no rosto.

"Começou a queimar minha garganta, eu comecei a lagrimar, eu comecei a babar e eu não podia passar a mão no rosto porque estava com as mãos pra trás [algemado]. Daí, eles viram que eu estava passando muito mal, pararam o carro e abriram o capô pra entrar um pouco de ar."

A CBN localizou Waterloo Gonçalo da Silva, que, segundo o carteiro, iniciou as agressões contra ele na região da Cracolândia. O guarda negou e alegou que ele foi o agredido.

Guarda: Foi isso que foi feito. Nós fomos até o DP [delegacia], conduzimos a parte e orientamos. Porque, ao contrário, ele que me deu um soco.

CBN: Ele reagiu, né, a um soco que o senhor deu nele?
Guarda: Não, não bati, por que eu ia bater nele? Qual a necessidade de bater? Eu trabalho na Redenção (programa da Prefeitura de São Paulo para usuários de drogas). Sabe o que é a Redenção? É a Cracolândia.

Marcos não conseguiu registrar um boletim de ocorrência na delegacia de Santa Cecília, para onde foi levado. O delegado André Cássio Gonçalves só redigiu um termo circunstanciado, em que apenas o nome do carteiro aparece.

O presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana, Dimitri Salles, diz que Marcos foi vítima de racismo ao ser abordado, durante as agressões e ao chegar na delegacia.

"A Guarda Civil Metropolitana alega que o carteiro foi abordado porque estava numa atitude suspeita, sem que defina o que é, de fato, uma atitude suspeita", argumenta. "Na verdade, o que eles consideram é cor da pele. Ele foi vítima de agressão física, ele sofreu com gás pimenta, que foi lançado diretamente no seu rosto, mas a delegacia entendeu que ele era o autor das agressões e a vítima era o guarda que havia feito a abordagem. Se você pega, por exemplo, o resultado do laudo de lesão corporal, ele atesta, sim, que há lesões corporais no corpo do periciado [Marcos] provocadas por um agente contundente. Socos, pontapés."

A CBN teve acesso às fotos que mostram as lesões causadas em Marcos. São hematomas na alturas das costelas, nos braços, em um dos pés e nas costas.

O carteiro só conseguiu registrar boletim de ocorrência cinco dias mais tarde, depois que pediu ajuda à Defensoria Pública. O B.O. foi feito na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância.

Os guardas Waterloo e Kelly foram os únicos identificados no documento da polícia.

A secretaria da Segurança Pública informou que o carteiro e os GCMs foram ouvidos na sede da delegacia de Santa Cecília, o que Marcos contesta. Segundo a pasta, o delegado adotou as medidas necessárias - entre elas o pedido de exame de corpo de delito - e o caso foi encaminhado à Justiça.

Um inquérito instaurado no dia 8 de abril vai apurar possível crime de racismo.

A secretaria de Segurança Urbana da Prefeitura de São Paulo alegou que o carteiro estava no fluxo de usuários no momento em que foi abordado pelos guardas e que teria agredido uma guarda no rosto. Segundo a pasta, os GCMs usaram algema "com o objetivo de evitar fuga e manter a integridade do próprio suspeito". A secretaria ainda disse desconhecer que a vítima tenha sido agredida, apesar do laudo de lesão corporal indicar isso, ou que tenha sido atingida por spray de pimenta. O Comando Geral da GCM argumentou que, no Termo Circunstanciado, registrado na delegacia de Santa Cecília, Marcos Antonio Ambrósio da Silva figura como autor de lesão corporal. Por Chico Prado, Rádio CBN SP.