Foi-se o tempo que o maior risco que os carteiros sofriam era ser atacado por algum cão, durante entregas domiciliares de correspondência
Foi-se o tempo que o maior risco que os carteiros sofriam era ser atacado por algum cão, durante entregas domiciliares de correspondência. A violência urbana, comum aos moradores da capital gaúcha e grande Porto Alegre, nos últimos anos, é o novo dado, dramático e perigoso, no trabalho dos carteiros e funcionários em geral dos Correios. No Brasil, há inúmeros registros de assaltos à agências dos Correios e Telégrafos que terminaram com mortes de ladrões ou funcionários da empresa. No Rio Grande do Sul, o último caso em que houve vítima fatal foi em abril de 2016, na localidade de Lomba Grande, bairro de Novo Hamburgo. Dois assaltantes foram mortos em confronto com a Brigada Militar.
Uma estatal criada no Brasil Colônia, em 1663, que já foi considerada pela população brasileira, alternando com o Corpo de Bombeiros, a instituição pública mais confiável é na atualidade vítima do processo de degradação das instituições públicas que assola o país.
No Rio Grande do Sul, os números de encolhimento dos Correios são cada vez maiores. A estatal já contou com cerca de oito mil funcionários. Hoje reduzidos à cerca de seis mil. O último concurso para admissão de novos trabalhadores foi em 2011. Dados do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Sin) demonstram que 30% dos admitidos no último concurso já deixaram a empresa, atraídos por oportunidades melhores.
Como no Velho Oeste
No Velho Oeste norte americano, os trens postais, que levavam igualmente vultuosas quantias de dinheiro, viraram alvo preferido de quadrilhas de assaltantes de bancos, impulsionados pelo lema bem capitalista, de ir buscar o dinheiro onde ele está. Com as agências dos Correios no Rio Grande do Sul aconteceu algo semelhante. Elas se tornaram local predileto dos assaltantes de estabelecimentos urbanos, devido à quantias e bens de consumo que abrigam, conjugado com a facilidade de acesso e fuga do lugar.
Yúri Aguiar,presidente do Sindicato dos Trabalhadores, descreve os atrativos encontrados pelos ladrões de agências. “As agências dos Correios exercem papel de agências bancárias. Armazenam dinheiro e bens de consumo em geral. Tudo isso com segurança nenhuma. Não há portas giratórias ou outros recursos de dificultar acesso de quem quer que seja. Ultimamente, com a crise econômica da empresa, retiraram até os seguranças que davam um mínimo de proteção ao local. Há colegas que dizem que as agencias viraram caixas eletrônicos de bandidos”.
Como as agências mais lucrativas dos Correios estão em zonas de comércio na zona norte da capital, isso se torna um fator negativo para elas, já que facilita as rotas de fugas para os ladrões, com acesso à grande Porto Alegre.
Quem já passou por assalto tem lembranças traumáticas do episódio. Os ladrões chegam intimidando com armas em punho, praticando agressões físicas e verbais. “Já vi colega ser chutado, espancado e fui chamado de tudo que é nome. Desisti de ter função de chefia na agência para não ficar visado nos assaltos posteriores. Eles já chegavam procurando por mim, achando que eu tinha a chave do cofre”, relata F.S, sob a condição de ficar anônimo para evitar punição da empresa.
Duvidoso privilégio
O duvidoso privilégio de sofrer assalto à mão armada para os funcionários dos Correios não é restrito aos atendentes em agências. O pessoal de entrega de correspondência volta e meia passa também por essa perigosa experiência. Assim como as agências, os veículos da estatal são depositários de dinheiro, eletro domésticos e outros bens de consumo, adquiridos pela internet e com entrega domiciliar realizada pelos Correios.
O funcionário de um desses veículos, AFS, ao lado de um colega, foi assaltado no dia 23 de fevereiro desse ano, ao fazer entregas na zona sul. “Fomos seguidos por um carro branco numa região com pouco movimento, que nos ultrapassou e fechou nossa frente. Dele desceram quatro homens, dois armados. Cada um ficou com a arma apontada para nossas cabeças, enquanto os dois restantes fizeram a limpa no carro. Demorou uns quatro minutos, talvez menos. Mas parecia uma eternidade, um tempo que não passava nunca”, conta AFS.
Sua grande reclamação. A empresa tem um serviço de atendimento psicológico para trabalhadores que passam por experiências assim muito moroso e burocrático. “Normalmente, só tem hora com o psicólogo quatro, cinco dias depois do assalto. Enquanto isso, o funcionário é obrigado a trabalhar. Sabe-se lá em que condições. A empresa é muito negligente quanto à segurança e saúde dos seus funcionários”, explica o trabalhador.
Veículos de entregas que transportam rodas de carro, telas de computador, celulares, tênis, eletrodomésticos em geral e roupas de grife são os mais visados pelos assaltantes. As abordagens, sempre com armas apontadas para os funcionários dos Correios são feitas, em sua grande maioria, no horário da tarde.
Horário matutino
A observação de tal rotina no comportamento dos ladrões provocou um pedido, feito pelos trabalhadores: que as entregas fossem concentradas no horário matutino, reivindicação negada pela direção da empresa. AFS tem uma explicação curiosa sobre o comportamento dos assaltantes em concentrar os roubos à tarde. “Vagabundo gosta de dormir até tarde, eles ficam na cama até o final da manhã. E saem para fazer as estrupulias deles no início da tarde”. Ele está há 17 anos no setor de entregas e assegura que a situação dos funcionários piorou muito no quesito segurança.
“A gente observa que todo mundo tem problemas com a violência. Não seríamos nós a ser excluído dela. Mas a empresa podia adotar uns procedimentos simples, buscando amenizar isso para seus funcionários. Como dar instruções de como proceder em situações de assalto e coisas assim. Mas nada. Ela é totalmente omissa nessa parte” conta.
Já para Henrique Andrades Torales, 33 anos de Correios e há 20 dirigente do sindicato dos Trabalhadores dos Correios de Pelotas e região, a combinação de degradação do ambiente econômico e social do País, com a má administração dos Correios, resulta na piora de qualidade de trabalho para seus funcionários. Comprometendo também os serviços da estatal que já foi modelo para empresas semelhantes do exterior.
“A lógica capitalista de ter que dar lucro, tirou a empresa de sua atividade principal que era atender toda a população. Hoje ela tem menos funcionários, menos agências e possui enorme atrativo para roubos. Há 20 anos ou um pouco menos, os Correios não eram tão visados assim. Agora, os marginais descobriram que eles são facilmente abordáveis, oferecendo pouco riscos a quem assalta”, observa Torales.
A situação tem solução? Para o dirigente do Sindicato de Pelotas tem. “Daqui a algumas gerações. Quando resolverem investir em educação, a base de tudo, para mudar esse país. Se isso não acontecer tudo vai piorar”, sentencia Henrique Torales.
Uma estatal feudo de partidos políticos
A empresa dos Correios e Telégrafos é considerada “o primo pobre” entre as estatais brasileiras. Ao lado de gigantes como Petrobrás, Caixa Econômica Federal e outras instituições federais, figura como a de menor poder econômico e está incluída no pacote de privatização que o governo federal promove.
Os depoimentos sobre a trajetória da empresa são unânimes em dizer que o período de apogeu da empresa coincide com seu comando sendo exercido por funcionários de carreira, não por indicação política como é na atualidade. Estatal de um serviço fundamental para a população, em um país de dimensão continental, sua presidência e outros cargos de comando, a partir do governo FHC passou a ser um feudo do PMDB. No Rio Grande do Sul, a partir do governo Lula, passou a ser do PT.
Na atualidade, o comando nacional da empresa está entregue a um representante do PSD/SP, apoiador do governo Temer, o deputado estadual licenciado, Guilherme Campos. Citada no episódio do mensalão, com o seu fundo de pensão, o Postalis, sendo alvo de CPI e alvo de denúncias de má gestão, os Correios e Telégrafos é ambicionado pelo mercado privado, devido ao seu potencial de lucro.
Entre as denúncias de má gestão da empresa, feitas pela Federação dos Trabalhadores em Correios e Telégrafos, encontra-se os gastos feitas na área de publicidade. Nas Olimpíadas de 2016, foram dispendidos R$ 350 milhões. De 2012 a 2016 os Correios destinaram R$ 465 milhões para patrocínio em esportes, sendo a estatal que mais investiu no setor. A Petrobrás, por exemplo, muito mais rica do que o seu “primo pobre”, gastou R$ 88 milhões no mesmo período.
Preparando terreno para a privatização
Quem é usuário dos serviços dos Correios e Telégrafos já deve ter observado na queda de qualidade desses serviços. São entregas feitas com menos frequência, atraso nas correspondências e outras demandas que afetam diretamente o público. Ela é fruto da precarização da empresa e atinge diretamente seus funcionários e sociedade. Para os sindicalistas da empresa a intenção é entrega-la para a iniciativa privada. A posição do Sintect/RS diante do quadro é expressado nesse documento:
A ECT promoveu em 2011 e 2012 um SD (Sistema de Distritamento – sistema para dimensionar o quantitativo de funcionários levando em consideração o número de objetos postais, tamanho da percorrida, etc). A partir destes levantamentos pôde se observar que muitas unidades necessitavam de mais funcionários. Porém esses novos SDs nunca foram implementados apesar da reivindicação dos trabalhadores.
Para os trabalhadores essa realidade ficou ainda mais severa com a implementação de novos sistemas de trabalho a partir de 2014. A ECT aplicou o que chama de DDA (Distribuição Domiciliar Alternada). Ou seja, antes a entrega era diária, agora com o quadro de efetivo minguando, a ECT aumentou a percorrida diária dos trabalhadores dividindo em lado A e B, e o trabalhador alterna estes dois lados. Não há mais entrega diária!
Recentemente diversas unidades de atendimento encerraram suas atividades. Entre elas, a AC Barnabé, em Alvorada, AC Centro das Indústrias, em Cachoeirinha, causando grande prejuízo às populações dessas regiões.
Isso soma-se a insegurança vivida pelos atendentes comerciais, os trabalhadores que prestam atendimento diretamente ao público. Apesar de os Correios prestarem serviço bancário em suas unidades de trabalho, não há a mesma estrutura. As agências, em sua maioria, não contam com porta giratória e detector de metais, cofre boca de lobo, entre outros. Há um verdadeiro descaso com a questão da segurança. Recentemente encerraram contratos de segurança em algumas unidades de trabalho, aumento o sentimento de insegurança, o que obrigou nossa entidade a ingressar na Justiça para requerer fechamento de novos contratos.
A violência acomete também os carteiros principalmente aqueles que entregam encomendas. Estes tem sido alvo recorrente de quadrilhas, que acham diante da omissão da ECT e demais autoridades, terreno fácil para seus crimes.
Nossa categoria tem sido alvo de ataques no seu conjunto. A ECT busca atacar os direitos conquistados com muita luta. Tanto que desde 2013 alterou a gestão de nosso plano de saúde, criando um caixa de assistência – a Postal Saúde. Mais um órgão que acaba sendo utilizado pelo governo de plantão para dividir com seus políticos aliados. Ocorre que diante da incompetência a Postal Saúde não constitui médicos credenciados no interior do estado, sendo obrigada a recorrer a Unimed. Porém pela segunda vez em menos de 6 meses o atendimento médico no interior do estado ficou suspenso por falta de pagamento, o que impede que usemos nosso direito firmado em acordo coletivo de trabalho.
Estes são alguns dos ataques que temos sofrido, porém de longe são as maiores preocupações. Pois tudo isso acaba preparando o terreno para terceirizar vários setores de nossa estatal, iniciando parcerias público privada – tudo isso sendo possível a partir da lei 14.290/2011 e da constituição da CorreiosPar em 2015.
Até o momento aguardamos a abertura de contas de nossa empresa. Pois o que podemos observar é engenharia contábil, assim como ocorreu na Caixa, ou no próprio governo. Investem em outras rubricas para o faturamento deixar de ser considerado lucro.
E tudo isso com uma única finalidade, fazer com que a opinião pública se volte contra nossa categoria e nossa empresa (nossa, de todo povo brasileiro), e a favor das medidas já arquitetadas pelos governos para avançar com a entrega do patrimônio público para a inciativa privada.
A partir deste texto esperamos elucidar nossa realidade e contar com o apoio para garantir que os Correios volte a ser o que já foi, uma empresa reconhecida pela sociedade, que preze pelo com atendimento à população, que tenha respeito para seus mais de 100 mil funcionários e que volte a ser orgulho para seus funcionários e população” (Por Higino Barros, JA)
COMENTÁRIOS